Maternidade e apropriações políticas
Neste texto, compartilho reflexões sobre maternidade e apropriações políticas em qualquer tempo histórico. Para isso, vou me servir das publicações da revista Brasil Feminino. A revista era dirigida pela escritora Iveta Ribeiro, foi publicada mensalmente e circulou no Rio de Janeiro entre 1932-1939.
Em 1937, passando por dificuldades financeiras, a revista se assumiu como um veículo de propaganda do movimento integralista, que foi a maior expressão do fascismo fora do continente europeu.
Mas, mesmo antes do alinhamento oficial ao movimento integralista, é possível observar em vários textos da revista discursos nacionalistas e de orientação eugenista, especialmente, na seção Cartilha da Maternidade.
A Cartilha da Maternidade
No seu primeiro capítulo, a Cartilha exibia o retrato de uma mãe branca amamentando seu filho, com uma legenda que convocava a mulher para desempenhar a mais sublime missão na vida: “a maternidade é o patriotismo da mulher”, frase de Alexandre Dumas utilizada como slogan da Cartilha.
O conteúdo da revista evidencia que a concepção da maternidade como uma destinação natural do corpo feminino é uma construção histórico-social. O conteúdo estava alinhado às noções eugenistas que cirvulavam à época.
O primeiro número da Cartilha se dirigia às “meninas-moças”, orientando-as no entendimento da destinação natural para o casamento e para a maternidade, numa sequência linear e esplendorosa. Desta forma, as meninas deveriam entender o casamento como uma responsabilidade e a maternidade como uma consequência inevitável do matrimônio. Tais responsabilidades deveriam ser encaradas com comprometimento, coragem e heroísmo.
Logo, ao lado do entendimento de que o casamento e a maternidade eram os destinos naturais para a mulher, a revista também idealizava a maternidade: por mais que a tarefa excedesse as forças, a mãe teria a obrigação de reunir os recursos que lhe restasse e manter o coração em festa para cumprir sua missão.
Análise do discurso: maternidade e apropriações políticas
O discurso veiculado pela revista tinha dois pilares. O primeiro dizia respeito à destinação natural da mulher para o casamento e para a maternidade. Em segundo lugar, difundia a necessidade da mulher em manter-se com saúde e forte para gerar e criar filhos igualmente saudáveis, capazes de servir ao engrandecimento da pátria.
Quando me deparei pela primeira vez, eu havia entendido o conteúdo da Cartilha exclusivamente como uma reprodução de um discurso com vistas a uniformizar a idealização da maternidade, passando pela destinação natural da mulher para o casamento e para a procriação. Com o tempo, compreendi que seus textos revelavam mais sobre maternidade e apropriações políticas. Afinal, falava-se em ter filhos saudáveis para aprimorar a nação.
Idealização da maternidade
Sem dúvida, a idealização e a destinação feminina para o casamento e para a maternidade são noções consolidadas em diferentes culturas e tempos históricos. E aí, é inegável que esses discursos foram apropriados estrategicamente naquele contexto político marcado por conquistas de direitos civis pelas mulheres.
Os anos finais do século XIX e os anos iniciais do século XX foram marcados por expressivas conquistas femininas: direitos civis, políticos e trabalhistas ressignificaram o papel social da mulher. Ao mesmo tempo, debates em torno dos direitos reprodutivos e do papel familiar se difundiam por meio de revistas, panfletos e reuniões. Em simultâneo, o protagonismo feminino soava para alguns segmentos políticos como um problema social. Nesse contexto, alinhar jovens mulheres e mães neste discurso era fundamental.
90 anos depois
Noventa anos separam a primeira publicação da Cartilha da Maternidade das reflexões a respeito do assunto que pulam nas inúmeras páginas nas redes sociais. Discursos como aqueles ainda se reproduzem, atribuindo às mulheres a função natural da maternidade e rotulando as mães com o sentimento de abnegação.
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