Maryse Condé: protagonismo feminino e ancestralidade.

Entre magias e poções da escrita

A grande escritora Maryse Condé faleceu no dia 2 de abril de 2024. A autora guadalupense e aquariana nasceu no dia 11 de fevereiro de 1934. Por meio de seus livros e novelas, difundiu a história e a pluralidade cultural do continente africano. No Brasil, seu livro mais conhecido é Eu, Tituba, bruxa negra de Salém, sobre o qual comentei certa vez em minha conta no Instagram

A escritora foi a irmã mais nova de uma família de oito filhos. Ela viveu até os 19 anos sem se perceber como uma pessoa negra. Sua mãe era professora, a proibiu de falar crioulo e a obrigou a aprender o idioma francês. 

Foto: wikipedia

Somente depois de se estabelecer em Paris, na Sorbonne – onde se tornou doutora em Literatura Comparada – Maryse tomou consciência sobre o racismo, sentindo que a cor da sua pele era a razão de várias obstruções na sociedade francesa.

Contadora de Histórias

Protagonismo feminino e ancestralidade estão no centro da sua produção literária. Em Eu, Tituba, bruxa negra de Salem, a escritora se debruçou numa robusta pesquisa histórica para recontar de forma magistral (e ficcional) a história do julgamento das bruxas de Salem. 

Em resumo, pelas mãos de Maryse, Tituba narrou a sua história marcada por movimentos de diáspora e pela perda de entes queridos. Contudo, ela também recebeu bençãos e saberes ancestrais.

Tituba era mestiça e sua mãe era uma jovem que foi escravizada e violentada por um marinheiro inglês. Como se não bastasse, sua mãe morreu tragicamente ao tentar se defender de mais um abuso de outro homem branco. Depois disso, o proprietário expulsou Tituba de suas terras e ela passou a viver como liberta. Longe da sociedade que conhecia, a protagonista recebeu o amparo da velha Mama Yaya, mística e conhecedora dos saberes de cura naturais. 

John Indian

Ficamos uma semana na prisão, esperando que terminassem os preparativos para nossa apresentação diante do Tribunal de Salem. Enquanto eu estremecia e perdia meu sangue no corredor onde eu estava acorrentada, uma mulher passou a mao pelas barras de sua cela e parou um dos policiais:
_ Aqui tem lugar para duas. Deixe essa pobre criatura entrar.

Tituba, uma autoridade espiritual

Depois de resistir às acusações, Tituba confessou uma culpa que não era sua para sobreviver aos julgamentos. Quando o processo terminou, um comerciante judeu a comprou para cuidar de seus 9 filhos. No entanto, a casa do novo proprietário foi incendiada por puritanos. Então, nesse momento, podemos sentir um alívio porque ele a libertou. 

Por causa disso, a bruxa retornou para Barbados e seus conterrâneos a receberam como uma uma autoridade espiritual, considerando o seu passado, sua sobrevivência e o seu retorno. Sem demora, ela se juntou a um grupo de quilombolas e começou a se relacionar com  Christopher, líder do grupo, que sonhava com a imortalidade.
Separada de Christopher, a bruxa voltou para a cabana onde morava com Mama Yaya e passou a utilizar seus conhecimentos com ervas e medicinas naturais com os escravos da região. Num dia, seus vizinhos levaram à sua casa o jovem Iphigene que estava à beira da morte. Em suma, a moça conseguiu salvar o rapaz fazendo dele seu filho-amante.

Com o tempo, Iphigene se envolveu com um grupo rebelde e planejou uma revolta contra os donos das plantações que os exploravam. No entanto, um grupo traiu Tituba e Iphigene e os dois foram presos e enforcados diante de seus seguidores. Assim, sabemos que a pedagogia da violência foi e continua sendo uma estratégia preferencial utilizada por aqueles que dominam e que buscam o poder.

A grande alquimista

Por outro lado, em diversas culturas africanas, a morte significa uma passagem para outra dimensão. Dessa forma, a vida material na Terra é apenas uma experiência transitória. 

Aos 90 anos, depois de se servir das fórmulas e poções mágicas da escrita – como disse Conceição Evaristo – a grande alquimista Maryse Condé foi encontrar os seus. Juntou-se aos que a precederam para seguir nos inspirando o bem-viver. 

Sim, agora estou feliz. [Eu entendo o passado, o presente o futuro]. Agora, eu sei por que há tanto sofrimento, por que os olhos dos nossos negros e nossas negras são brilhantes de água e sal. Mas eu também sei que tudo isso terá fim. Quando? O que importa? Não tenho pressa, estou liberta dessa impaciência que é própria dos humanos. O que é uma vida quando olhamos a imensidão do tempo?

Apesar das dificuldades que as mulheres negras atravessam no mundo ocidental em decorrência do racismo, Condé rompeu imensas barreiras ao contar a história de Tituba em primeira pessoa. Hoje, sabemos que a história dos julgamentos de Salem é a história das mulheres, das mães e das crianças. 

Mulheres no lugar da vilania

Em síntese, a história masculina colocou as mulheres bruxas no lugar da vilania e da maldade. Por sua vez, a História contada por Maryse (com H maiúsculo mesmo) coloca Tituba e Hester Prynne (a grávida com quem Tituba ficou presa) no lugar do protagonismo, do enfrentamento e da subversão à ordem capitalista que pretendia se impor sobre suas terras, sobre seus conhecimentos e sobre seus corpos. Dessa forma, com a história da bruxa negra de Salem, vemos o contrário daquilo que aprendemos por tanto tempo: a violência contra as mulheres foi/é masculina. 

A autora recebeu inúmeras homenagens e premiações em vida. Um reconhecimento ao grande legado que nos deixou.  

Chegamos ao fim! Como eu sei que você se interessou em ler o livro, deixarei o link para compra aqui. Quando você ler, volte aqui para a gente resenhar essa História juntas!

 

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