História do aleitamento materno

A história do aleitamento materno no Brasil é atravessada por uma dinâmica de inserção de produtos artificiais para nutrição infantil. No fim do século XIX, as famílias mais privilegiadas terceirizavam a nutrição dos bebês para as amas de leite. Naquele contexto, as amas de leite eram mulheres escravizadas ou pobres. As escravas eram alugadas por seus senhores. Por sua vez, as mulheres livres alugavam seus serviços. No entanto, de acordo com Karoline Carula, a maioria das amas de leite era composta por escravas.

Então, nos jornais da época, é possível encontrar inúmeros anúncios de locação dos serviços das amas de leite. Os senhores que não tinham bebês em suas famílias alugavam os serviços das escravas que eram mães recentes para terceiros. Segundo K. Carula:

“Cerca de 90% eram mulheres escravizadas, e todas tinham registro de quem era o seu senhor, o que dá a entender que o contrato de trabalho e o aluguel eram realizados diretamente com o ‘proprietário’ ou ‘proprietária’ daquela mulher”. (CARULA, K. Perigosas amas de leite: aleitamento materno, ciência e escravidão em A Mãi de Familia. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 19, supl., p. 197-214, dez. 2012.).

O incentivo ao aleitamento materno

No final do século XIX, o aleitamento materno começou a ser incentivado. Mas, a preocupação com a saúde da criança e o vínculo entre mãe e filho não estava no centro dos debates. Naquela época, o ideal era o afastamento da criança branca e abastada do convívio da ama de leite. Isso porque as pessoas negras eram vistas como “classes perigosas”. Dessa maneira, é preciso considerar a sociedade escravocrata e o avanço nos debates a respeito da abolição e da modernização do país pelo viés racial. 

Neste sentido, o aleitamento materno era defendido por médicos e higienistas como um dever da boa mãe. Ao mesmo tempo, a atuação das amas de leite ficou conhecida como “aleitamento mercenário”.

Amas perigosas

Com o tempo, começou a se difundir a noção de que o leite transmitia características morais da nutriz.  Assim, à medida que se ampliou a crença de que as escravizadas eram mulheres perigosas, imorais e transmissoras de vícios, houve maior incentivo ao aleitamento materno direto. Portanto, a defesa do aleitamento materno se alinhava ao projeto de modernização do país, inserida num conjunto de iniciativas e políticas públicas que buscavam romper com o passado colonial e escravocrata.

É oportuno lembrar que este processo também se dava no continente europeu. 

 A questão atravessa os séculos

Sendo assim, é provável que a transição do aleitamento das amas para o aleitamento das mães não aconteceu num processo instantâneo. De forma que é possível encontrar anúncios dos serviços de amas de leite até o ano de 1913. Ao longo da primeira década do século XX, as abordagens em torno do assunto permaneceram nos discursos higienistas e médicos, que criaram uma imagem idealizada da mãe amamentadora.

A verdadeira ama de leite

Então, o aleitamento artificial ganhou força entre 1920 e 1970. Porém, antes disso, é possível encontrar anúncios para incentivar a nutrição artificial de bebês. Em 1878, o Gazeta de Notícias publicou o seguinte anúncio:

“A verdadeira ama de leite, em que podemos depositar toda a nossa confiança, é a Farinha Láctea do Dr. Nestlé. Toda lata vem soldada; rótulo em portuguez e com o carimbo azul, a V. Filippone, 93 rua do Ouvidor 93. Cuidado com as falsificações.”

Anúncio publicado no Gazeta de Notícias, em 20 de julho de 1878.

O Capital não dorme

O anúncio da farinha láctea demonstra como a nutrição infantil estava entrelaçada com questões sociais e raciais. Também mostra como a escravidão e a busca por uma sociedade moderna e progressista. Como a ama de leite era uma mulher perigosa e transmissora de vícios, a farinha era o alimento confiável. Assim, a publicidade se aproveitou do discurso em torno da “ama de leite perigosa” para promover seu produto. Dessa maneira, a propaganda se utilizou do medo e da desconfiança em relação às amas de leite para consolidar a imagem da farinha láctea como um alimento seguro e moderno. 

Maternidade e infância no sistema capitalista

O sistema capitalista, como um braço do patriarcado, nunca perde de vista o controle sobre os corpos femininos, por conseguinte, sobre a infância. Toda a retórica em torno da valorização da amamentação passava pelo lugar de construção da maternidade ideal e pela desvalorização das mulheres escravas. E aí que se insere a publicidade em torno da Farinha Láctea. A mãe abastada que não deveria mais recorrer à exploração do corpo feminino negro para alimentar seu filho e que não queria amamentar diretamente sua prole, poderia adquirir a farinha, um alimento “seguro”.

Para finalizar, estudar a história do aleitamento permite entender como se deu a construção da ideia da amamentação como ato da “boa mãe” em conjunto com o anúncio permite concluir que o corpo materno é um campo de disputa de poder, com imposição de regras e expectativas pautadas pelo sistema patriarcal.

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