Enola Holmes 2 e a História das Mulheres

Enola Holmes 2 não é apenas mais uma aventura da irmã mais nova de Sherlock. Na saga, Enola monta a própria agência de investigação, mostrando a que veio no exercício da profissão. Em seu primeiro caso, a protagonista (Millie Bobby Brown) é contratada por Bessie (Serrana Su-Ling Bliss) porque sua irmã, Sarah Chapman (Hannah Dodd), está desaparecida.

A busca de Enola por Sarah cruza com um marco histórico: a greve das ‘matchgirls’, de 1888. O filme revela as duras condições de trabalho enfrentadas por mulheres na Inglaterra, naquele período. Assim, a trama é inspirada em fatos reais e é um poderoso pano de fundo para refletir sobre o protagonismo feminino e acerca luta das mulheres por direitos.

Enola Holmes descobre a precariedade da vida das mulheres

Ao se enganjar na busca por Sarah, a detetive não se limita a desvendar mistérios. A busca por justiça norteia cada movimento de Enola. Desta forma, ela se torna a voz de um movimento, utilizando sua inteligência e astúcia para dar visibilidade à causa das mulheres trabalhadoras.

Sarah Chapman era uma jovem operária na fábrica de fósforos Bryant & May. Ao investigar seu desaparecimento, inevitavelmente, Enola se depara com a precariedade das condições laborais  daquelas empregadas fabris. 

O contexto histórico

O fósforo branco, utilizado na produção dos palitos de fósforo, era extremamente prejudicial à saúde das mulheres trabalhadoras. Como consequência, a inalação constante da fumaça tóxica causava doenças respiratórias, danos nos dentes e ossos, um problema conhecido como “mandíbula fosforecente”, que provocava necrose óssea e, até mesmo, danos cerebrais.

Para piorar, as “matchgirls” trabalhavam por longas jornadas, muitas vezes excedendo 14 horas por dia, num ambiente insalubre e com poucos intervalos de descanso.

Ao mesmo tempo, os salários eram extremamente baixos e insuficientes para garantir uma vida digna. Além disso, as mulheres eram frequentemente submetidas a multas arbitrárias por atrasos ou perdas na produção, o que reduzia ainda mais seus ganhos.

Em paralelo, as mulheres tinham suas jornadas de trabalho supervisionadas por homens. Não era raro que fossem alvo de assédio moral e sexual por parte deles, sem nenhum tipo de proteção ou apoio, a não ser das próprias companheiras de trabalho.

Londres em ebulição

Londres estava em ebulição. O final do século XIX foi marcado por profundas transformações sociais e políticas. A crescente industrialização, que impulsionava o crescimento econômico da Inglaterra, também aprofundava as desigualdades sociais. Enquanto a burguesia prosperava, a classe trabalhadora, especialmente as mulheres, enfrentava precárias condições de trabalho.

A história da greve das “matchgirls” se insere neste contexto. A Inglaterra era um palco de intensas lutas por direitos, dentre eles, o movimento sufragista. Paralelamente, o movimento operário, com suas diversas correntes ideológicas, organizava greves e manifestações em busca de melhores condições de trabalho e direitos trabalhistas.

Enola Holmes e a luta por direitos das mulheres

Uma das cenas mais impactantes do filme é a da manifestação de mulheres e adolescentes marchando em busca de seus direitos. A cena comove porque nos conecta com um passado de luta e reverbera questões femininas que ainda permeiam a sociedade contemporânea. A desigualdade entre homens e mulheres, a exploração do trabalho e a importância da união da classe sexual feminina são temas atemporais que ressoam com força na narrativa.

Naquele cenário, as “matchgirls” organizaram uma greve histórica, exigindo melhorias das condições de trabalho. Assim, as mulheres reivindicavam a proibição do uso de fósforo branco, a redução da jornada de trabalho, a melhoria da ventilação nas fábricas e a garantia de um ambiente de trabalho protegido e salubre. 

Imagem disponível na Wikipedia
Grevistas de Matchgirl, várias delas mostrando sinais precoces de mandíbula de fósforo

As operárias também exigiam salários justos que lhes permitissem usufruir uma vida digna. Em simultâeo, reivindicavam o reconhecimento de seus direitos como trabalhadoras, incluindo o direito de se organizar em sindicatos e de negociar coletivamente com os patrões.

A greve e seu legado

A greve das “matchgirls” impactou significativamente a organização do mundo trabalho capitalista porque a resistência das jovens operárias inspirou outras mulheres a se organizarem e a lutarem por direitos trabalhistas. Portanto, a greve também contribuiu para a conscientização da sociedade sobre as desigualdades entre homens e mulheres e a necessidade de proteger as trabalhadoras. 

Então, a história das “matchgirls” é um lembrete importante do longo caminho percorrido pelas mulheres na luta por seus direitos. Isso porque a greve de 1888 foi um marco na história do movimento trabalhista e feminista de tal forma que suas conquistas contribuíram para a construção de uma sociedade mais igualitária.

Enola Holmes, arte e reflexão

Ao explorar esse contexto histórico, o filme permite aprofundar a compreensão sobre o processo de consolidação do capitalismo e seus impactos diretos nas condições de vida e trabalho das mulheres.

Enola Holmes 2 ao retratar um fato histórico promove a reflexão a respeito da vulnerabilidade das mulheres pobres na sociedade capitalista. Além de destacar o papel das mulheres na sociedade.

A protagonista é inteligente, corajosa e determinada. A despeito das hierarquias sustentadas no sexismo, Enola quebra estereótipos e inspira novas gerações. Ao mostrar uma jovem investigadora capaz de desvendar os mistérios mais complexos e, ao mesmo tempo, engajada em uma causa social, o filme reforça a ideia de que as mulheres podem e devem ocupar todos os espaços.

É inegável que ao apresentar a história de luta das “matchgirls” e uma protagonista destemida, o filme contribui para a reflexão a respeito de um futuro mais justo e igualitário para todas as mulheres.

Em resumo, Enola Holmes 2 é muito mais do que um filme de aventura ou suspense. É o enaltecimento do protagonismo feminino e um convite à reflexão sobre a história das mulheres. O filme cumpre bem o papel de entreter e, ao mesmo tempo, promover reflexão.

Por Patricia Urruzola

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